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São Nuno de Santa Maria, religioso - 6 de Novembro

  • Cláudia Pereira
  • há 3 dias
  • 7 min de leitura

Nuno Álvares Pereira, nobre


Túmulo de D. Gonçalo Pereira na Capela da Glória ou dos Reis. 1270-1348. Fotografia de José Pessoa
Túmulo de D. Gonçalo Pereira na Capela da Glória ou dos Reis. 1270-1348. Fotografia de José Pessoa

O avô de Nuno era o arcebispo de Braga, Dom Frei Gonçalo Pereira, que, num momento de fraqueza, teve um filho, batizado Álvaro Gonçalves. Álvaro, quando adulto, tornou-se Mestre dos Hospitalários, atual Ordem de Malta. E ele, digamos, mais “ambicioso” em matéria de descendência, em alguns “momentos de fraqueza”, teve nada menos que trinta e dois filhos. No meio dessa numerosa prole, que aos poucos foi sendo legitimada, estava Nuno Álvares Pereira [1].

Nuno Alvares Pereira

Desde pequeno, inspirado pelas lendas arturianas, Nuno quis ser cavaleiro e celibatário. Via que aqueles cavaleiros da corte do Rei Arthur eram tão mais destemidos, valorosos e virtuosos quanto eram virgens e puros, e desejava imitá-los. Quer dizer, embora não fosse, quando jovem, um religioso, Nuno resgatou na cultura portuguesa a imagem ideal do cavaleiro cristão, membro de uma Ordem Militar [2].

De qualquer modo, o pai de Nuno não concordava com essa ideia de virgindade e casou o filho, aos dezesseis anos, com a nobre viúva Leonor de Alvim. Por essa época, vale dizer, Nuno era fiel à Dona Leonor Teles que, inclusive, o havia armado cavaleiro, ainda aos treze anos. Tempos mais tarde, porém, vendo que a independência do reino corria perigo e motivado pelo espírito de cavaleiro e pelo amor à pátria, o jovem decide debandar para o partido do Mestre de Avis, e essa decisão praticamente define o futuro de Portugal.

Sim, pois, se hoje não falamos espanhol, se hoje Portugal não é apenas mais uma nacionalidade do reino de Espanha, isso deve-se a esse jovem que, aos vinte e cinco anos, comandou a mais importante vitória militar da história lusitana [3].

Como dissemos, Castela armou um segundo cerco a Lisboa, desta vez, pretendendo invadir o país por cima, pela estrada da Beira. Como a chegada dos castelhanos às portas da cidade decretaria o fim do conflito, já que não seria possível resistir ainda uma vez, a ideia era sair e interceptar os inimigos em campo aberto. E estava tudo combinado para o avanço, quando alguns nobres alegaram haver plano melhor: invadir o território espanhol e obrigar os inimigos a persegui-los. Nuno Álvares Pereira opôs-se radicalmente a essa proposta e, como o rei vacilasse, saiu sozinho com seus homens prometendo enfrentar, só com eles, todo o exército contrário. No fim, venceu a firmeza do condestável.

Segue-se então a Batalha de Aljubarrota. Quando naquele 14 de agosto de 1385, sob sol escaldante, os castelhanos, em trinta mil homens, estavam entrando pela estrada da Beira, em direção a Lisboa, Nuno Álvares, com grande genialidade, posicionou as tropas portuguesas entre dois riachos. E foi genial, porque, estando em tal sítio, por mais que os adversários fossem mais numerosos, boa parte deles, por falta de espaço, ficariam de fora da disputa.


A batalha de Aljubarrota. 1791. Mariano Salvador Maella
A batalha de Aljubarrota. 1791. Mariano Salvador Maella

O condestável colocou-se num elevado e, com as suas bandeiras tremulando no horizonte, chamou os inimigos para o embate. Como não era do interesse dos castelhanos guerrearem ali, pois o objetivo era dominar Lisboa, eles seguiram sua marcha, contornando o exército português para baixo. Mas os portugueses seguiram-nos, rumando para o sul. E aqui começa a derrota espanhola. Vendo-se novamente desafiados, os mancebos, os jovens do exército castelhano, mesmo com todas as advertências em contrário, aceitaram o desafio e partiram para a guerra.

O fato é que o deslocamento das tropas portuguesas, em muito menor número, era consideravelmente mais rápido, e na medida que elas iam avançando, os homens deixavam pelo caminho uma série de armadilhas, com abatises (árvores derrubadas para impedir o avanço da cavalaria) e bocas de lobo (buracos disfarçados com folhas; galhos). Ou seja, além do campo reduzido, por causa dos riachos, havia essa série de obstáculos que sustava a marcha dos cavaleiros inimigos, muitos deles, vale dizer, da fina flor do exército francês.

Tínhamos então o seguinte quadro: de um lado, vem a cavalaria franco-castelhana, com seus cavalos e lanças; do outro lado, os portugueses, cujo forte era a infantaria, tendo na vanguarda Nuno Álvares, esperavam os rivais com duas alas repletas de arqueiros [4] e besteiros [5].

De repente, três mil flechas desabam sobre os castelhanos. Junto com os montadores e seus cavalos, tomba o estandarte real. Faz-se um furor. Não, o rei não havia morrido. Juan I, na verdade, padecendo de malária, acompanhava o combate desde uma liteira. Mas os guerreiros não sabiam desse pormenor e, ao verem caído o estandarte, foram tomados de grande pânico. Segundo Fernão Lopes, quando os portugueses, mais tarde, foram pilhar os inimigos, notaram que havia uma série de mortos sem ferimento: morreram de ataque cardíaco, de insuficiência respiratória, ou coisa que o valha.

De qualquer forma, entre mortos por flechadas, por susto, por golpes de espada ou esmagamento [6], calcula-se uma baixa de mais ou menos quatro mil castelhanos e franceses. Sem dúvidas, uma grande derrota. A moral do exército espanhol nunca mais se recuperou, e isso foi decisivo para a consolidação da independência de Portugal.

Terminada a batalha, na véspera da Assunção, o que para os portugueses era mais um sinal da intervenção divina em seu favor, Nuno Álvares, o heroico comandante, quis que fosse dada a glória a quem de fato a merecia, e, no monte onde ele havia fincado o seu estandarte, mandou construir uma capela dedicada à Nossa Senhora. Como mais tarde o rei ergueu, em outro lugar, o Mosteiro da Batalha, também dedicado à Nossa Senhora, a capela ideada por Nuno se tornou a atual Capela de São Jorge.


São Nuno de Santa Maria, religioso


Nuno Alvares Pereira toma o hábito e torna-se Nuno de Santa Maria
Nuno Alvares Pereira toma o hábito e torna-se Nuno de Santa Maria

Há quem veja em Dom Nuno Álvares uma espécie de Joana d’Arc portuguesa. Com todo o respeito a Santa Joana d’Arc, Nuno foi maior. Nuno Álvares foi bem maior que a santa francesa, porque, número um: foi um estrategista consciente e genial; número dois: porque, por amor à pátria, teve a força de enfrentar os próprios irmãos, Dom Pedro e Dom Diogo, que se haviam aliado ao rei invasor; número três: porque, embora, depois da guerra, tenha se tornado mais poderoso que o próprio rei, sempre lhe foi obediente e leal; número quatro: porque, sendo o homem mais rico do país (sobretudo depois da vitória), abdicou de suas posses para viver os últimos anos da vida como um monge miserável, o irmão Donato.

Muita gente fala do Santo Condestável como se fosse uma peça da “ideologia” portuguesa. Nós, que temos visão religiosa e não estamos preocupados com ideologia nenhuma; olhamos para esse homem e, comovidos, vemos toda a sua grandeza, toda a sua coragem e, ao mesmo tempo, toda a sua humildade.

Parece todo ele uma contradição: um homem de tanta fidelidade que, ao mesmo tempo, desafiava as ordens do rei seu amigo, para o bem do soberano. Um homem de tanta riqueza material e de tanta pobreza e desapego. Um homem que é filho de aventuras amorosas, mas um pai de família que termina a vida guardando a castidade.


D. João I visita Nun'Álvares Pereira no Convento do Carmo em 1425. 1883. Caetano Moreira da Costa Lima
D. João I visita Nuno Álvares Pereira no Convento do Carmo em 1425. 1883. Caetano Moreira da Costa Lima

Sem dúvida, São Nuno de Santa Maria é uma pilastra, uma coluna-mestra dos mais elevados valores portugueses, valores que tornaram possíveis as navegações. Mas não só: São Nuno de Santa Maria é um modelo de homem que pode inspirar, mesmo hoje, empresários, políticos, casados e solteiros, leigos e religiosos.

São Nuno Álvares é representante do verdadeiro Portugal. É aí que estão as nossas raízes profundas, sem mitologias, sem ideologias, sem nacionalismos. Vemos o exemplo num homem de carne e osso, verdadeiro, com seus momentos de decisão e de insegurança, mas que soube viver, numa só, suas várias vocações.

Que São Nuno de Santa Maria interceda por nós e nos ensine a navegar, a ir pelo mundo e pregar o Evangelho.


De Padre Paulo Ricardo - Curso: As navegações portuguesas - Aula: São Nuno e a Batalha de Aljubarrota

Notas:


[1] - Estrutura do patronímico português: o “filho do Gonçalo” ficou com Gonçalves no nome. Já o “filho do Álvaro” recebeu o nome Álvares. - (voltar ao texto principal)


[2] - Para um perfil mais nítido dessa grande figura portuguesa, recomendamos o livro “Nuno Álvares Pereira, guerreiro, senhor feudal, santo: Os três rostos do Condestável (2017), escrito por João Gouveia Monteiro, da Universidade Coimbra. Recomendamos a obra, vale dizer, sem concordar com todas as análises do autor. Na leitura desse tipo de trabalho, é sempre preciso distinguir o dado histórico das interpretações desse dado. - (voltar ao texto principal)


[3] - Há quem discuta a primazia de Ourique em relação a Aljubarrota. No entanto, como vimos, a primeira batalha, a da fundação do reino, é toda cercada por lendas e incertezas. Não se sabe sequer onde fica Ourique. A Batalha de Aljubarrota, por outro lado, é amplamente documentada, e, para darmos fé à sua grandeza e importância, não é preciso recorrer a supostos milagres: tem-se ali uma clara e evidente ação da Providência Divina que inspirou aqueles homens em suas tomadas de decisão.  - (voltar ao texto principal)


[4] - Aqui, vale destacar a decisiva ajuda dos arqueiros ingleses com os seus longbows ou arcos-longos. Eles já haviam utilizado essa arma e uma tática semelhante na Batalha de Courtrai, em Flandres, na Escócia, em Bannockburn, e mais recentemente, na própria Guerra dos Cem Anos, justamente contra os franceses. - (voltar ao texto principal)


[5] - Besta é uma espécie de espingarda que dispara flechas. - (voltar ao texto principal)


[6] - Estudos arqueológicos dos anos 50 apontam que, na fuga dos castelhanos, vários foram capturados e massacrados, o que se vê pela ossada encontrada no campo. - (voltar ao texto principal)

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